11 de maio de 2009

Com que roupa eu vou?

Um cidadão pode ser impedido de entrar em uma casa de Justiça, como um fórum ou um tribunal, pelo simples fato de estar trajando bermudas, camiseta regata e chinelos? Essa é a pergunta que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve responder em sua próxima sessão, no dia 12 de maio. O julgamento foi iniciado em 28 de abril e interrompido por um pedido de vistas do conselheiro Técio Lins e Silva, mas volta à pauta do CNJ na terça-feira da semana que vem.

A questão está sendo discutida no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) n.° 200910000001233. No caso, o advogado Alex André Smaniotto solicita ao CNJ que seja revogada uma portaria da comarca de Vilhena, em Rondônia, que restringe a entrada de pessoas com “trajes inadequados”, como calções e bonés. Até agora, cinco conselheiros já se posicionaram contrariamente ao pedido – ou seja, a favor de que se impeça o acesso dos malvestidos. Dois sequer consideraram o pedido apto a ser julgado. Apenas um, o conselheiro Paulo Lôbo, colocou-se de maneira contrária à medida. “A portaria reforça a cultura de distanciamento do povo do Judiciário”, disse Lôbo à Gazeta do Povo. Apesar do voto solitário na última sessão, ele espera que os seis conselheiros que ainda vão votar mudem o resultado. “Mesmo os que já votaram podem rever suas posições”, afirma.

 

Por aqui…

No Paraná, há casos semelhantes ao apreciado pelo CNJ. Em fevereiro deste ano, o Fórum de Londrina, por meio da Portaria n.° 14/2009, passou a proibir a entrada de pessoas vestindo bermudas, regatas e blusas transparentes. Em entrevista ao Jornal de Londrina, à época, o diretor do fórum, juiz Álvaro Rodrigues Júnior, afirmou que “a medida é para as pessoas que não sabem observar as normas de decoro social. Não é para barrar pessoas humildes”.

No Fórum Cível de Curitiba, há dois anos foi regulamentado o impedimento do acesso de pessoas “trajando roupas esportivas”, por meio da Portaria n.° 53/2007. Desde então, não é possível entrar no local vestindo “bermudas, camisetas regatas, camisetas de times de futebol ou demais trajes que se mostrem incompatíveis com a dignidade do ambiente judicial”. A portaria faz a ressalva, contudo, de que, excepcionalmente, pode-se autorizar a entrada dos malvestidos, se esses forem partes dos processos ou testemunhas.

Justiça inacessível?

Quem puxou a maioria dos votos do CNJ favoráveis ao barramento de pessoas trajadas “inadequadamente” foi o relator do caso, conselheiro João Oreste Dalazen. No entanto, ele fez questão de afirmar que seu voto não significa uma “restrição de acesso à Justiça”. É a mesma opinião da juíza Ângela Maria Machado Costa, diretora do Fórum Cível de Curitiba. “Se a pessoa é simples e está trajada de maneira inadequada porque só tem aquela roupa, ela não é impedida de entrar. Analisamos caso a caso. Não se quer impedir o acesso à Justiça. É uma regra geral, para manter o decoro, porque a Justiça é formal. Não dá para vir direto da praia para o fórum”, explica.

Já para o juiz do Trabalho José Aparecido dos Santos, diretor do Fórum Trabalhista de Curitiba (onde não há qualquer portaria do gênero), “esse tipo de medida não é correta, para qualquer prédio público”. Segundo ele, ninguém é barrado na entrada do fórum e raríssimas vezes um juiz trabalhista impede a entrada de alguém à sala de audiências, por conta do vestuário. “Ninguém vai entrar no fórum de biquíni ou sunga. Se o fizer, claramente quer causar tumulto e isso não deve ser permitido. Deve imperar o bom -senso”, completa o magistrado

“Essa medida afasta as pessoas da Justiça”

Entrevista com Paulo Lôbo, advogado e conselheiro do CNJ

Único conselheiro do CNJ a se manifestar, até agora, de maneira contrária à medida do juízo de Vilhena (RO), que impede a entrada no fórum local de pessoas vestidas “inadequadamente, o advogado Paulo Lôbo falou à Gazeta do Povo.

O Sr. ainda acredita que seu entendimento pode sair vencedor?

Sim, tenho essa expectativa. Mesmo os conselheiros que já votaram podem rever suas posições e modificar seus votos. Eu já tornei público o meu entendimento: a portaria não é razoável. Essa medida reforça a cultura de distanciamento do povo do Judiciário. É uma interdição a mais, além da suntuosidade dos prédios, que afasta as pessoas comuns da Justiça. Até porque esse tipo de portaria se dirige ao povo simples, já que os ricos seguem a moda europeia. Em Vilhena, a questão é gritante, já que está localizada em região amazônica, de calor muito forte. Além disso, pergunto: quem vai medir o tamanho do decote, da minissaia?

Qual é o fundamento legal de seu entendimento?

O fundamento do meu argumento é de natureza constitucional. A Constituição estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. E não há lei que estabeleça o traje adequado ao decoro do Judiciário. O magistrado não é legislador. A pessoa sai de casa e cumpre todos os seus compromissos com uma roupa, sem qualquer problema. E para ir ao fórum precisa mudar de roupa? Não faz sentido. Em um período de intenso calor, o vestuário europeu [considerado “adequado”] chega a ser anti-higiênico. Evidentemente, ninguém vai com roupa de banho ao Fórum, por exemplo. As pessoas sabem agir com bom senso.

Uma eventual decisão do caso estará restrita ao fórum de Vilhena, correto?

Sim. A decisão, no momento, está restrita a Vilhena, mas há o risco do precedente. As autoridades judiciárias podem se sentir estimuladas a tomar medidas similares.

(Fonte: Gazeta do Povo; 08/05/2009)